20 de abril de 2012

EDUCAÇÃO NEGATIVA? (Resposta a Marcelo Guimarães)

Caro Marcelo:

Começo contigo as minhas respostas inúteis contra várias perguntas sobre os temas do seminário negativo, tentando incrementar novas confusões e desentendimentos. Você é o primeiro da lista. Não conseguia achar tempo para elaborar as minhas respostas, curiosamente em função de compromissos todos vinculados com ética: estive terminando um artigo para uma revista do sul sobre impossibilidade da moral, escrevendo um capítulo sobre minha ideia de ética para um livro de Bioética, e na próxima semana vou dar uma conferência sobre inabilitação moral num Encontro Internacional da Sociedade Bioquímica, em Foz de Iguaçu. Também pensava que tinha ficado magoado pela minha explosiva apresentação em Salvador, em dezembro do ano passado.

Todos teus elogios sobre a transmissão e a “perspicácia da moderação virtual” são plenamente merecidos por Léo Pimentel, o nosso incansável colaborador, não somente técnico, mas também filosófico. (Como ele é muito tímido, ele fica corado quando eu digo isto).

Sobre inutilidade do diálogo. Bom, eu quero dizer que não nos comunicamos nunca (nem mesmo agora, nem mesmo no seminário) na medida em que tudo o que digo é colocado por você num contexto estranho (o que é inevitável); nesse contexto, cada um faz o que quiser com a fala do outro e, nesse sentido, tira proveito, e por isso não é “inútil”; mas a utilidade de um conteúdo é derivado da sua inevitável deturpação; por isso, argumentos de outros participantes (como Eder Wen), que dizem que o diálogo é frutífero porque fez com que ele escrevesse um e-mail que não teria escrito, confundem o proveito que sempre tiramos da deformação das ideias do outro, e a comunicação, que seria o entendimento do que a outra pessoa queria realmente dizer; creio que o proveito está em função direta da in-comunicação; tiramos proveito de in-comunicar-nos.

Isso eu diria também a propósito do que você chama “uma transformação de si”: trata-se de uma transformação, mas talvez baseada em algo que eu não disse, ou que disse querendo dizer outra coisa. Já me encontrei na rua com pessoas que me dizem que mudei as suas vidas por ter dito X, sendo que eu jamais disse X; sendo que eu disse o contrário de X; Mudei a vida dessa pessoa? Talvez; Nos comunicamos? Não. E este mesmo processo está acontecendo neste preciso instante, quando você está lendo esta mensagem. Assim, não acredito na tua frase a propósito do final teatral do seminário (“E, no entanto, houve comunicação!”). Em absoluto. Houve interação, e desviada, indireta, atrapalhada, deturpadora e cansativa. Não acredito que a interação aprimore a relação entre seres fadados a um grau de incomunicação; a interação pode desgastar, impacientar, criar úlceras, criar inimigos, entediar. E quando os graus de incomunicação são quase absolutos – como em nosso seminário – é terrivelmente desgastante; não me sinto nada aprimorado após essas lutas todas. Por que continuo a fazê-las? Isto eu vou esclarecer na minha resposta ao Eder.

O efeito mais imediato dos leitores ou ouvidores da ética negativa é "buscar saídas"; pois as pessoas têm a pretensão extravagante de querer continuar vivendo. Não sei mesmo o que seja uma “educação negativa”, Marcelo, mas sendo eu um convicto anti-natalista ontológico (para me diferenciar dos anti-natalistas ecológicos como Marcus Valério; eu seria contra nascimento mesmo que a natureza oferecesse as melhores condições de vida), qualquer tipo de educação negativa por parte dos progenitores supõe o erro de procriar já cometido; portanto, a educação negativa progenitora seria um paliativo incapaz de se fazer desculpar o indisculpável; é claro que, precisamente por isso, sustento que os filhos não têm nenhuma obrigação moral para com os pais (além das que têm com eles como seres humanos), e os pais têm todas as obrigações para com eles.

Não pensei muito mais nesse assunto, mas, certamente, não deveríamos ficar pensando em ter filhos apenas para educá-los negativamente; uma educação negativa progenitora é tão excessiva e supérflua quanto uma afirmativa, talvez porque, no fundo, não pode existir uma educação totalmente negativa; pelo contrário, como já escrevi em algum lugar, diante de um filho já nascido não tenho mais direito de negar o mundo radicalmente: eu tenho que dar um mundo para ele. Nesta trilha, uma “educação negativa” seria quase uma contradição. Então, para usar as tuas expressões de outro e-mail teu, a educação negativa poderia ter sentido "entre dois sobreviventes", nenhum dos quais é culpado da existência do outro; como na relação usual de professores e alunos; eu penso que a maioria dos professores são também pais, e levam para a sala de aula algo da sua atitude paterna; mesmo não sendo assim, parece-me que os professores tentam construir um mundo para seus alunos, apresentar-lhes um futuro afirmativo “apesar de tudo”; eu, pessoalmente, prefiro apresentar-lhes o tudo do pesar.

“Amor negativo”? “Religião negativa”? “Discussão negativa da ética de Spinoza?” Seria muito interessante que você desenvolvesse estas questões depois da minha morte. Se fizer alguma coisa antes, let me know.

Marcelo, muito obrigado por estas tuas epifanias através dos anos; abraços sem saídas, Julio Cabrera.

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