19 de abril de 2012

Comentários ao Evento [Parte II]

O Substantivo Morte e o Verbo Morrer

Abri mão quase por completo de argumentos céticos na abordagem direta do tema. O Professor Evaldo chegou a tocar no tema, surpreendentemente corroborado por Diógenes, da mortalidade não ser de fato algo que se apresente de imediato ao vivente em sua constituição física. Me abstive de comentar, e não por uma insistência cética de que a certeza de que nosso corpo irá ser destruído de modo algum garante a extinção de nossa mente mesmo admitindo o fechamento causal do mundo físico.

O motivo maior que me levaria a tal tema seria a questão da constituição humana. Se o parto deixa uma marca indelével nos humanos (ao passo que curiosamente ninguém parece ter se preocupado com a marca que deixa na mãe), tal marca parece indiscernível. Muito mais notável é a perenidade psicológica da criança, e a imortalidade psicológica do jovem, que mesmo sabendo que morrerá, costuma ter isso num horizonte tão distante que sua expectativa de vida pode ser indiscernível da perenidade.

Para apelar aos dados científicos, como bem o disse o Professor Evaldo, o primeiros sinais do envelhecimento se apresentam após os 30 anos, e até lá, o próprio corpo não sabe que é terminal, e o que o corpo não sabe, a mente costuma também fazer vista grossa.

Disso, penso que a “terminalidade do ser” (que em termos ontológicos soa até contraditório, visto que o Ser deveria ser eterno), parece-me fazer sentido apenas do ponto de vista cronológico, pelo fato de que tudo neste universo é temporal. O problema não é a vida ser temporária, mas os seres senscientes terem consciência disso. Não deveríamos falar então em desvalor da vida pela sua terminalidade, porquanto todo e qualquer ente existente, inclusive os astronômicos, seria também desvalido.

Ou todo o universo é negativo, ou somente a Sensciência o é.

A distinção entre Morte Pontual e Morte Estrutural, nesse ponto, é como distinção entre Verbo e Substantivo, acrescida de algumas sutilezas.

O Morrer pode ser praticamente instantâneo ou largamente letárgico. Do ponto de vista biológico, uma vida longa passará sua maior parte “morrendo”, findo suas 3 décadas de progresso. Nesse ponto, MP e ME parecem apenas graus distintos de um mesmo processo.

Mas parece haver também uma espécie de Morte Substantiva, que está impregnada na vida não como processo, não como devir, mas como Ser mesmo! Ser e Não-Ser se confundindo, a Suprema e Absoluta Contradição!

Talvez seja mais interessante a Morte como Substantivo. Seria o próprio núcleo existencial, o Vazio no interior da Mente, o Buraco Negro em torno do qual a galáxia mental gira, que jamais pode ser contemplado diretamente.

Ignoro melhor descrição, poética, do Nada (se é que isso faz sentido), que a de Michael Ende em a História Sem Fim.

“...não havia um buraco. (...) Um buraco ainda é alguma coisa. E ali não há nada. (...) não há palavras pra explicar! (...) Não era um lugar ermo, nem uma zona escura ou clara; era algo insuportável à vista e que dava às pessoas a sensação de terem ficado cegas. Pois não há olhos que suportem olhar o nada total.”

Quando criança, muito antes de supor que dividia um mesmo planeta com filósofos, costumava me pegar pensando no porquê das coisas existirem. “Já pensou se não existisse nada?” Eu me perguntava, e começava a tentar imaginar como algo poderia vir deste nada, ou o mais interessante, como seria esse nada. O resultado invariavelmente era um despertar súbito do transe, quase na forma de choque elétrico, dada a repulsão que a aproximação mental com a idéia do vazio gerava.

Esse centro “nihilíco” pode dar bons motivos pelo qual tentar olhar para ele seja mesmo desesperador, a não ser que se faça uma mudança conceitual de um Nada para um Caos, o que para efeitos práticos pode ser equivalente, exceto a diferença substancial entre ser dissolvido numa matriz de Ser, ou ser aniquilado num processo nadificador.

Penso que Cabrera está certo. O Caos Primordial nos constitui, e dele temos algum tipo de indefinível aversão. Mas acho que deve-se explorar a diferença em não se enxergar no escuro, e ficar ofuscado ao olhar para um centro de luz insuportável.


Suicídio

Peço perdão ao Diógenes por só depois ter me dado conta que pareci ter dito que o trabalho dele não era relevante, exigindo até a nobre intervenção do Cabrera. Inclusive convidá-lo foi idéia minha! Na verdade, digo apenas que concordo com tanta facilidade com ele que me espanta que existam discordâncias. Custa-me crer que, livres de bagagens platônicas ou místicas em geral, alguém condene o suicídio em si.

Também me confundi um pouco entre a condenação, via de regra religiosa, do suicídio doloso, com a simples desconsideração da possibilidade do suicídio culposo. Embora pense que o senso comum tenderá a rejeitar tal possibilidade, ou invocar algum impulso tanático para rotulá-la de dolosa.

Mas o tema me recorre pela situação da EN ser a mesma das religiões nesse ponto. Descrevem uma existência trágica e ou uma pós existência ditosa, mas para se esquivarem da inevitável preferência pela saída de emergência, invocam alguma razão para coibir ou desestimular o suicida.

Às tradições basta invocar punições transcendentes pelo crime de tirar uma vida que, a princípio, não seria própria, mas dos deuses. À EN, desprovida de tão versáteis entidades, se desdobra em malabarismos para desviar a mesmíssima pergunta do centro das atenções.

E não penso que a mera consideração pelo sofrimento alheio tenha qualquer relevância, principalmente a dos pais, visto serem os culpados pela entificação não solicitada do vivente. Ainda mais pela inabilitação moral intrínseca que deveria ao menos levar à equivalência o permanecer e o cessar, mesmo com algum impacto nos demais.

Suicidar ser fácil ou difícil é questão de grau. Seja no Joelma ou no World Trade Center, numa sala flamejante, assim que o calor, o sofrer, estiver insuportável, qualquer um salta pela janela. Daí, penso que num mundo tão repleto de estruturas altas e pleno de força gravitacional, um salto glorioso para fora da vida só desencoraja a quem não está a sofrer a tal ponto. Jovens que se jogaram da Torre de TV ou no Pátio Brasil, ao menos 12 pelo que sei, não parecem ter encontrado muita dificuldade no intento, visto já terem atingido o ponto de saturação psicológico necessário.

Mas é compreensível que a EN invista na desqualificação dessa questão, para prevenir ser criminalmente imputada como incentivo ao suicídio. Essa barreira sociológica, no entanto, não deveria erguer-se ante a simples inquirição filosófica.

Tiago de Diabolis, personagem de Porque Te Amo Não Nascerás, tem uma posição bem mais interessante sobre a condenação da reprodução. É possível que o vivente experimente certa agonia do viver a ponto de possuir uma existência miserável, ônus que recái sobre os progenitores, que podem ser solicitados a dar alguma satisfação.

Mas insisto que viver, em oposição ao “estar morto substantivo”, é situação reversível, e ante a alegação da dificuldade, penso que de fato o suicídio é dificílimo somente para quem ainda quer viver!

A EN insiste que o suicídio não elimina o dano existencial vivido, embora me pareça irrelevante algumas décadas de vida entre duas perenidades. Mas os que conheceram a existência ao menos tiveram alguma escolha, podendo abandoná-la, como de fato muitos fazem. A cada dia, o viver, ou sobreviver, por mais difícil e dilêmico que seja, ainda implica uma opção pela permanência, opção absolutamente inacessível às virtualmente infinitas possibilidades existenciais que jamais foram entificadas, e que, curiosamente, em sua maioria parecem preferir a permanência, contra todos os pesares, por mais que se invente mil e um argumentos para negar que tal escolha seja legítima e considerá-la mera reação desesperada.


Otimismo e Teleologia

A associação é justa, visto que não só no sistema que defendi no mestrado há nítida teleologia, pelo viés progressista, bem como no que chamo de Otimismo Artificial (a reação religiosa ao Pessimismo Essencial) também haver.

Mas lembro que descrevi um Otimismo original puro, aquele que não é condicionado por circunstâncias externas, mas totalmente espontâneo, fortemente associado à constituição psicológica do indivíduo.

Nesse sentido, não há teleologia alguma, a vida é sentida como boa diretamente. Um Bem-Estar, uma “alegria de viver”, como ironiza-se frequentemente. Não há télos porque o otimista já está onde quer, deslocando qualquer fim para outras questões.

Sou exemplo de tal constituição. Em oposição aos que desde pequenos sentem a tragédia existencial, a mim sempre surpreendeu o fato das pessoas parecerem dificultar tanto as coisas. Tudo me parecia tão simples que surpreendia-me, aliás até hoje ainda me surpreende, como tantos conseguem ter tantos problemas!

Exceção foi justamente o período em que sucumbi à carga religiosa, em especial gnóstica, e outras formas de misticismos que busquei ativamente na juventude, do quais me livrei pela via do ceticismo, não apenas recuperando, mas mesmo maximizando meu bem estar original.

Mas voltando ao télos, não caberia também teleologia no pessimismo?

Ao menos no mais estruturado, principalmente a EN, não é também teleológica? Como poderia um sistema ético não sê-lo? E principalmente um que defenda a superação da ética?

E mesmo o pessimismo vulgar, não teria também alguma finalidade?

Se bem que, sendo seres intencionais, e intenção pressupõe finalidade, talvez seja difícil achar algo não teleológico na existência humana.

E por quanto tempo evitaremos a questão de que o pessimismo também seria uma reação à terminalidade, ou, penso eu, à uma pré disposição incômoda que encontra nele exatamente sua superação?

Nesse sentido, seria explicitamente teleológico. Uma saída estética que neutraliza, ou ao menos alivia a “tristeza de viver”. Ao passo que o tal otimista puro, por já estar onde quer, ou já querer estar onde está, não precisaria de télos algum.


Pessimismo e Sociedade

A pergunta de Fabiano Lana à Cabrera, devidamente interceptada por um remoto Gabriel Silveira, sobre questões sociais envolvidas, cedo ou tarde terá que ser enfrentada. Se a EN lograr maior repercussão num mundo onde o termo “social” virou mantran, não há como se esquivar de duas questões fundamentais: Qual sua utilidade para as questões sociais (a serem entendidas); Qual a sua utilidade para as questões sociais (a serem revertidas).

A meu ver, a contribuição para o entendimento é inegável porque ela de fato descreve uma visão de mundo válida, e insisto, muito mais popular do que seus simpatizantes costumam pensar. Como as mentalidades são o fundamento da existência social humana, uma psico sociologia sobre o tema deve ser fértil.

Para a solução, me parece nada menos do que totalmente contraproducente. Aliás, qualquer forma de pessimismo em geral. Problemas sociais foram historicamente abordados sobre um inexorável otimismo progressista, aliás, parece inconcebível que fosse diferente. O que sempre insisto, é que a EN só poderia legar como resultado prático a redução ainda maior da taxa de reprodução das classes mais favorecidas, tendo eficácia zero em moderar a reprodução desenfreada das classes que realmente precisam fazê-lo. Em suma, ajudaria a concentrar renda. Isso sem contar o fato de a simples menção da desvalia da vida humana e da inabilitação moral jamais poderiam ter qualquer resultado social sequer remotamente desejável.

Como sempre digo, a EN é uma afirmação da impossibilidade da ética, como penso este evento ter deixado bem claro. Qualquer de suas teses não tem utilidade no sentido político, econômico ou social. O máximo que poder-se-ia esperar dela é um sonho pós-ético inimaginável.


Marcus Valerio XR

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