19 de abril de 2012

Questões e Comentários

Marcelo Senna - 2 de maio de 2012 07:15


Agradeço o empenho em fazer a transmissão, essa primeira parte funcionou muito bem! 


Tentei enviar uma questão para o Julio Cabrera (cuja palestra infelizmente não pode ser disponibilizada em vídeo), mas não deu pra ser lida no debate. Assim, envio-a aqui novamente - foi formulado um pouco telegraficamente, por ter limites no canal USTREAM, mas aí vai:

Uma pergunta sobre a tese da inutilidade do diálogo - podemos contestá-la dizendo que o diálogo é uma forma de ação coerente com a ética negativa - mesmo que não se objetive a transformação do outro, se disponibiliza para uma transformação de si. 
É, em suma, a essência de uma educação negativa. 

Complementando: O diálogo é uma discussão (e não uma disputa, como diz Kant na Crítica do juízo), não se pode disputar a verdade com o outro, mas pode-se ampliar-lhe a sensibilidade e a compreensão e, mesmo que não chegue a concordar conosco, aprimora a relação entre seres fadados a um grau de incomunicabilidade como nós.
Por isso o diálogo é uma forma de interação negativa com o outro.
PS: o diálogo é uma marca essencial do amor negativo - [o enlaçamento possível com o outro terminal, como eu.]
PS2: O aspecto mais otimista do pessimista negativo é disponibilidade para, no diálogo, tentar criar valor.

Desse modo, argumento a favor da "utilidade negativa" do diálogo.

é isso, como disse, formulado sinteticamente; se interessar, podemos tentar aprofundar e ampliar a questão.

abraços,
Marcelo

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Marcelo Senna - 2 de maio de 2012 07:20


olá a todos e todas,

agradeço mais uma vez o empenho na realização da transmissão do seminário Pessimismo e Otimismo Moral, gostei muito de acompanhá-lo e conhecer as contribuições e críticas de vários sobreviventes, de mim já conhecidos ou ainda não. Elogio também a perspicácia da moderação virtual, que soube escolher trechos relevantes do debate virtual que se realizava paralelamente para apresentar como perguntas. Foi bom ter contato com o Gabriel, de Maceió, através desse debate também. Também gostei que os vídeos das palestras tenham sido mantidos na página, consegui assistir às apresentações finais ontem e gostaria de, eventualmente, voltar a assistir alguns dos vídeos como forma de recuperar pontos importantes de argumentação.

Abaixo seguem duas tentativas de desenvolver alguns pontos que o seminário me deu a pensar. Envio como forma de retribuição pelas múltiplas ideias e questões oferecidas pelos vários participantes, esperando quiçá suscitar alguma questão sobre a qual valha o diálogo. Incluí, além da referência filosófica, duas referências ao cancioneiro brasileiro, na medida em que aí podemos encontrar também pensamento de dimensão e valor filosófico (vai aqui a licença de alguma afrociberdelia, conceito de Chico Science). Tento praticar a filosofia num nível escolar, o que inclui trechos de conversa algo jornalística, talvez, mas procura não perder de vista as questões essenciais, abordando-as através desse discurso misto entre teoria e reportagem (quiçá ao modo antropofágico). Vai ainda no estilo um tanto telegráfico e inacabado, mas parece-se suficientemente compreensível.

1. Na Crítica de la moral afirmativa (1996), p. 161-162, Cabrera parece entender a educação como a educação que o progenitor está obrigado moralmente a oferecer a seu filho; ou, por outro lado, como a educação que o filho tem o direito de demandar ou exigir do progenitor, pelo fato de ter sido feito nascer [de ter nascido]. Porém a educação não se deixa pensar apenas na relação entre progenitores e seus filhos. Ela pode e precisa ser pensada também na relação de sobrevivente a sobrevivente. Essa educação da sobrevivência não apenas é possível mas pode ser dita até mesmo necessária. Não é a demanda por essa educação que podemos encontrar nos movimentos autoeducativos em situações de vulnerabilidade e ameaça radicais, como na sobrevivência nas periferias conflagradas de cidade e campo ou a sobrevivência nos campos de concentração? Assim, se queremos pensar a educação negativa, podemos olhar para experiências de hip hop, entre outras. Referência inicial: Racionais MC’s, Sobrevivendo no Inferno (1997) http://www.radio.uol.com.br/#/album/racionais-mcs/sobrevivendo-no-inferno/18501

[Cd publicado um ano após a Crítica de la moral afirmativa]; em cujo encarte podemos encontrar a enunciação de duas teses ontológicas: “periferia é periferia (em qualquer lugar)”; e “aqui quem fala é mais um sobrevivente”. [a desenvolver]]. [considerando a saudação inicial a São Jorge, pode-se pensar até mesmo em uma religiosidade negativa, a religiosidade do hip hop]. [uma religião negativa na qual o cultivo da palavra (do debate, da discussão, das tentativas de comunicação mesmo no meio da incomunicabilidade, dos obstáculos inarredáveis à comunicação e à comunhão) – para voltar ao tema da inutilidade dos diálogos e debates filosóficos, ou do amor vivido neles, da morte através da palavra (...) [toda sobrevivência é uma religião, tese subsidiária].

(...) 2. Para outro tópico: o não ser não é o vazio, mas o caos. O não ser é o caos. O ser é tudo o que é o caso? O caso é o caos. O caos é ser e não ser, devir é caos, fonte originária do aparecer e do desaparecer. Qual o valor do caos? Não é uma opção estarmos fora do caos, nem mesmo na morte (a morte não é a saída do caos, embora seja a saída da vida). A ética negativa é, em alguma medida, subjetiva, pois se refere ao ser e não ser dos sujeitos humanos, das vidas humanas, dos indivíduos humanos. Para ser uma ética para além da subjetividade, deve caminhar na direção de uma ética imanente, uma ética do caos, uma ética transsubjetiva, além do sujeito. A diferença entre o caos e o não ser talvez esteja primordialmente no resíduo de mistério presente no caos e que no não ser parece estar oculto ou ter sido eliminado. [a reserva de mistério faz com que seja permitido à ética negativa manter uma espécie de agnosticismo primordial (“Ur-agnosticismo”...), e aproximar, nesse nível mais radical, a razão e a magia [a desenvolver, bastante; - uma tentativa: o caso é que aqui nos encontramos no limite da razão e da moralidade racional, nesse limite em que o pensamento torna-se ação, o negativo se realiza como positivo evanescente, a razão em fluxo talvez não possa ser senão magia - esta parte está menos elaborada, reconheço]. 

Referência aqui é a obra de Jorge Mautner, cuja presença-ausência da morte-vida, investigação da dialética do sim e do não, consideração do mistério – e do amor “transsubjetivo”– podem ser encontradas em vários lugares, dos quais indico agora apenas duas canções: “Morre-se assim” e “Pedra Bruta”.

Podem ser ouvidas na radio UOL: http://www.radio.uol.com.br/#/busca/jorgemautner
Ou ver outras referências em: http://www.jorgemautner.com.br/

Donde, da consideração de educação e caos, ressalta a necessidade de pensar o amor negativo. (voltar ao Projeto de ética negativa).

Alguém se anima a dobrar ou desdobrar esses pontos?

abraços,
Marcelo

PS: foi divertido ver o tom algo teatral do final do seminário, no qual a inutilidade da comunicação foi mais uma vez comprovada! E, no entanto, houve comunicação!

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Marcelo Senna - 2 de maio de 2012 07:24

olá,

envio uma suma dos comentários sobre a palestra de Fabiano, produzidos no debate virtual da palestra e um pouco além. Seguem os comentários:

Achei a apresentação de Fabiano interessante, mas me incomodou um pouco pensar a ética só individualmente e nao vê-la como um fenômeno social, ela surge em sociedades, e já surgiu em várias; então, mesmo que as condições biológicas e psicológicas sejam adversas à ética, ela não deixa de existir, como tarefa heróica ou impossível, mas existe.
Tanto a moral como uma norma social que envolve valor; quanto a ética como reflexão filosófica - existem ambas!

É nas relações sociais onde se cria o valor; a ética não patina no vazio, mas cria seu próprio chão, cria a si mesma na sua relação com os outros; antes de patinar no vazio, ela navega sobre ondas, ou surfa no caos. De fato, pode-se problematizar o conceito de vazio com o conceito de caos, ou não?

Acho que o Fabiano apresentou argumentos que fortalecem a tese da inabilitação moral, mas não impede que a ética exista como constituição de si, cuidado de si - afirmativa ou negativamente. - a ética não é natureza, mas é segunda natureza...
A educação é justamente o trabalho de produzir o "humano", moldar as forças instintivas numa forma de ser.

Acho que a ética está na tensão entre o governo de si e dos outros, constituir a si sempre se dá na refrega – a refrega entre afetos meus e doutros, a luta e o jogo onde se criam os valores.
Então a ética talvez seja uma vertigem por ser apenas um dos lances do jogo de afetos e poder... será?

Você acha que o jogo de forças se dá no nível do ser? Nós nos constituimos nesse jogo, com vertigens éticas? O que seria a ética, se não uma vertigem? (não um fundamento, mas um efeito).

Uma vida pós-moral deve ser algo assim, como o cuidado de si que sabe de seu vazio, um cuidado negativo de si; e que também se sabe cuidado do outro, governo de si e governo de outro. Uma ética imanente, uma ética dos afetos, como a de Spinoza, pode ser uma matriz para isso, ainda que seja preciso fazer uma discussão negativa da ética de Spinoza.

abraços,
Marcelo
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Marcelo Senna - 6 de maio de 2012 09:46

ética arrodeia corguinho. [polêmica provocativa underground n. 5]

a propósito das cifras de Cesar e Alessandro:

sertaneja otimismo pensa o ser como além de não ser, kaos e mulher. O ser é mulher: “caba não mundão, caba não que é bão, quanto mais mulher bonita a gente bebe e acha bão”. O otimista é, como já observado no seminário, heteroteleológico. A mulher, o ser, o infinito é a quem me entrego como finito, não ser, homem. Além de hetero, o otimista é o ponto de vista do macho, entregue à fêmea do ser, ao ser como fêmea. O ser é feminino: a ser. É na mudança do artigo em preposição que se revela a diferença entre bom e bão: bão é desfruto enquanto bom se usufruto. E o bem então? É feminina, a ser: a bem. O curso do rio, currículo, é a corguinho, córrego corrência errância da ser líquida (“mulher bonita a gente bebe”), a ser bela e boa, a bem. Pular o corguinho é pular a ética; a ética é o arrodeio do corguinho, o percorrer os limites do seguir e pular – ética imanente dos afetos. A morte é o corguinho que já nasceu pulado. A lâmina da ser, a fio cortante, a morte, a corguinho. Será um otimismo negativo a consciência da corguinho, entrega da vida a mistério e kaos na forma fêmea da ser? Como herákleitos, na beira do rio logos: ethos anthropos daimon. De uma tradução impossível a um novo fragmento. [incompleto como sempre, mas nunca deixando de tender à constelação ressignificadora (...)].

O otimista afirmativo é sertanejo, o otimista negativo é punk. Mas há um punk sertanejo, devidamente transtornado: http://www.youtube.com/watch?v=X-wsEjfAIQU&feature=related
Para Conde e Dracula, bom domingo.

4 comentários:

  1. Parte 6 de uma provocação lançada ao vento
    [partes 4.1 e 4.2 deverão ser recuperadas a tempo]

    vento, a ser negativa;
    vento sobre vento, suavidade, tudo virá a seu tempo
    (a china e o negativo).

    Toca Raul:
    http://www.youtube.com/watch?v=Zl-buvy1G5M
    Todo mundo explica
    “Não me pergunte por que, quem, como, onde, qual, quando,
    Deus, Buda, tudo, nada, o acaso, como o
    Cosmonauta como o cosmo,
    Seja lá o que for já é.
    Não me obrigue a comer o seu escreveu, não leu,
    o pau comeu na cabeça do cantor José Raimundo
    porque sem querer falou no rádio que
    cada cabeça é um mundo, Raimundo,
    antes de ler o livro que o guru lhe deu você tem que escrever o seu.
    Chega um ponto que eu sinto, que eu pressinto,
    lá dentro não do corpo, mas lá dentro fora,
    No coração, no sol, na estrela, na testa,
    Eu sinto, eu farejo - como um cachorro, em todo o universo,
    que eu estou vivo vivo vivo como uma rocha.
    Eu não pergunto porque eu já sei que a vida não é uma resposta
    Se eu aconteço se deve ao fato de eu simplesmente ser.”

    “o problema é o seguinte: é que as pessoas ficam com a chave na mão, perguntando, dentro de uma prisão onde não tem porteiro, onde não tem nenhum guardador: o que vai ter lá fora?, o que existe lá fora?, o que vai ter agora?, se é twist ou [haregare], mas não tem nada disso, é apenas sair, abrir a porta e ir, ficar aqui é que não dá mais, ta entendendo?, ficar é impossível.”

    ***
    Através de Raul, podemos voltar a falar do ponto 1 do primeiro comentário, sobre a questão da inutilidade do diálogo. (veja continuação)

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  2. uma análise-produção a partir do texto de Raul:

    Não me pergunte nada, não fale comigo, estou cantando, seja lá o que for [o mundo, a realidade, o sentido], já é. Não me obrigue a comer, a regra suprema do diálogo-conflito, do diálogo-agon é “escreveu, não leu, o pau comeu”. Se escreves sem ler vais tomar; se escreves o que quer, aquele que não lê vem de pau. Aquele que não lê, não quer ler, não quer que leiam: considera a palavra uma ofensa. Dirigir-lhe a palavra é declarar guerra. A guerra já está declarada antes que se abra a boca. O diálogo-agon não é a guerra contra o diálogo. Toda guerra é contra o diálogo, em primeiro lugar. O diálogo é agon contra a guerra. A guerra é a suprema ilusão afirmativa. Agon é a moderada existência negativa. Pode lá agon ser moderada?
    Falou no rádio que cada cabeça é um mundo, o rádio doxa indústria cultural, se liga, Raimundo, antes de ler o livro que o guru lhe deu você tem que escrever o seu.
    Raimundo microcosmo macrocosmo, um ponto o corpo lá dentro fora, onde eu farejo (eu sou como faro), eu cachorro, kynos, em todo o universo vivo como uma rocha. Ser é rocha, devir é rocha que rola, nem se pergunte porque a vida não é uma resposta,
    Se eu aconteço, se deve ao fato de eu simplesmente ser,
    Se somos como devir, ser é negar-se, saber que sua origem é ser e seu destino é nada, acontecimento sem resposta, nem se pergunte: no rádio cada cabeça só vive seu mundo, a comunicação é impossível e no entanto esta canção paradoxal plena de sentido, onde o que todo mundo explica se complica, decifra-me ou te devoro, a canção esfinge, Raimundo: não fique com a chave na mão, simplesmente saia de sua caverna sem porteiro, ficar é impossível – de qualquer modo o nada sobrevirá – sobre o ser que simplesmente é e acontece, seja o que for, ele já é, eu já sou: um ponto, o corpo dentro fora. Ponto acontecimento, evanescente, feito apenas de efeito, a rocha sólida do que vivo se desmancha no ar. A rocha rola e nela a vida, a existência, Raimundo, late a alma do mundo como um cachorro: a voz da canção é a do cínico diálogo agon, que varia entre a retórica e a filosofia.
    A arte do diálogo negativo, diálogo modo negativo contra a guerra como modo afirmativo, está na atuação da palavra: a retórica é a veste da filosofia, ciente do afastamento entre sedução e verdade; a filosofia, como retórica, seduz para a verdade, através do espanto e da aporia. Seu problemático discurso contém a promessa de uma logofonia, da fala de um sentido – o vazio sentido, o encontro possível entre duas mentes, entre dois sobreviventes – um vínculo afetivo, nem corpo nem alma, lá dentro fora. Um acontecimento.

    Na esfinge pop de Raul, se mostra como, paradoxalmente, a menor distância entre duas mentes é a palavra: confira esta e outras informações e idéias no programa logofonia, programa do PET UFMG, transmitido pela Radio UFMG Educativa:
    http://www.fafich.ufmg.br/petfilosofia/logofonia/filosofia-contemporanea/vitor-cei/
    Entrevista com Vitor Cei sobre Raul Seixas: Novo Aeon no torvelinho de seu tempo, título de sua dissertação de mestrado que foi publicada em livro pela Editora Multifoco, do Rio de Janeiro.

    Abraços,
    Marcelo
    11/05/2012

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  3. Olá Julio e todos, para retormar parcialmente a conversa sobre um dos pontos que você mencionou, colo aqui alguns trechos que tratam de amor - quiçá amor negativo, ou amor visto por uma perspectiva negativa - que recolhi no Projeto de Ética Negativa, edição de 1990.

    III. PEQUENOS ASSASSINATOS
    6. Não podemos amar autenticamente ninguém até não nos darmos conta de que não vive.
    As condições ontológicas para amar são péssimas. Poderíamos amar o outro se o não-ser nos deixasse em paz. Amamos residualmente, através das frestas permitidas pelo afirmativo. O amor é totalmente trágico ou, então, completamente imoral.

    9. Quando duas pessoas se amam, são as suas construções imaginárias as que são vinculadas, suas incongruências fundamentais de não-suicidas, seu respectivo não-ser vivido. Odiar alguém é visualizar o seu particular não-ser vivido sob a forma de “defeitos” morais e “imperfeições”. Mas as pessoas não têm “defeitos”, o que chamamos seus defeitos é um nome moral para a maneira particular como elas vivem a sua morte. Odiar alguém é ver, de repente, os mecanismos que estavam sustentando simbolicamente seu “ser”. Criticá-lo, “apontar seus defeitos”, criticar seus valores etc é, em última instância, um convite para que ele morra. Pelo contrário, amar uma pessoa implica aceitar os seus mecanismos de organização do seu não-ser: quando amamos alguém, vemos, claro está, o negativo fundamental da sua vida, só que não visualizamos esse negativo como “defeito”, mas, exatamente, como “uma maneira de ser”.

    10. O amor não “mexe” com o ser, não se pode trazer nem levar ser do mundo. O amor simplesmente administra de determinada maneira o “ser” que já está no mundo.
    O amor entra no mundo dentro de um projeto de sobrevivência, através do esforço de duas pessoas que foram jogadas ao mundo independentemente. (É evidente, pelo que ficou dito no Capítulo 1, que não podem existir relações de amor entre pais e filhos.)

    11. Não podemos amar enquanto não renunciarmos totalmente à vida. É impossível amar na vida. Deveríamos ser capazes de ver-nos a nós mesmos na absoluta miséria, no total desgarramento. O caminho que leva ao outro deveria estar limpo de mim mesmo.

    ...[continua]...

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  4. [continuação do anterior]

    12. Os outros querem que eu morra, mas me querem “aí” para morrer, me querem no mundo para continuamente morrer. E eu quero o mesmo deles. Trata-se de um estranho “mérito de estar morto”. As lembranças, elogios e reconhecimentos dos mortos: o que é que o morto dá para a sociedade? Como se a presença das pessoas, sua teimosia em levar adiante seu projeto de sobrevivência, incomodasse aos outros, os impedisse de reconhecer meu valor. “Se você não estivesse aqui, eu poderia amá-lo”, parece ser a frase nunca proferida. Enquanto a terrível pressão da minha própria sobrevivência está em ação, nada é possível: para o amor ser possível, devo deixar vago o próprio espaço da minha vida.

    14. Quando duas pessoas brigam e se afastam uma da outra, não há, evidentemente, nenhuma categoria ética capaz de avaliar o que aconteceu. (Esse afastamento não pode ser, claro está, “culpa” de ninguém.) Não há nenhum espaço para “recriminações” - vê-se o outro como tendo “agido mal” quando esse “agir mal” é, simplesmente, o não-ser vivido do outro: o não-ser da pessoa é afirmativamente visto como o ser dessa pessoa “funcionando mal”. Um “amor” entre pessoas que têm a ilusão de ser, levado a seus extremos, só pode desembocar na destruição recíproca, e é por isso que o chamado “amor” deve ser repensado dentro da Ética negativa.

    IV. OCULTAÇÃO DO NÃO-SER. ILUSÃO E SOBREVIVÊNCIA.

    28. Por que, quando “amo” alguém, devo permanecer junto ao objeto amado?
    Por que não seria ético afastar-se dele? Quem assegura que o sentimento de amor não seja precisamente um sinal para deixar o objeto amado no apogeu de uma experiência inexprimível? De onde vem a curiosa idéia de que tenho que gastar tudo o que tenho, essa estranha “lei do máximo”? Uma Ética negativa deveria dar algumas “dicas” acerca do “amor no negativo”. Em certo sentido, o sentimento exultante do amor marca uma finalização, não um começo. O amor poderia ser interpretado precisamente, como um sinal do negativo, como um sinal de que o amor deve agora ser buscado intensamente num outro lugar! Ficar junto ao objeto amado é afirmativo. O homem negativo deveria ser experto em partidas. O lugar da morte é, sempre, o próximo amor, o que ainda não atingiu seu apogeu, o amor que ainda não é.

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