2 de julho de 2012

Políticas Negativas - Julio Cabrera

Amigos:

1. No recente Seminário sobre Impossibilidade da moral (na página do Fibral: fibral.blogspot.com.br, podem ser encontrados filmes e textos das discussões, durante e após o seminário) foram debatidas muitas questões em torno de éticas negativas, e veio a tona a famosa questão do caráter prático, aplicado,  normativo, pedagógico e político dessas éticas. Claudio Reis, em particular, fez durante o evento um excelente apanhado da minha teoria, com uma crítica contra a noção de inabilitação moral (que eu já respondi longamente no mesmo blog do Fibral), e ele exprimiu finalmente o desejo da ética negativa deixar de lado suas teses radicais e passar a desenvolver as suas partes normativas: já que estamos aqui e o mundo é mesmo esse lugar sombrio que sabemos que é, o que podemos fazer? As pessoas querem que a ética negativa pare com as lamúrias e se ponha a trabalhar.

2. Muitas outras pessoas no passado e no presente (entre estas ultimas, Gabriel Silveira, Marcelo Guimarães e Wanderson Flor, pelo menos) já manifestaram desejos semelhantes. Wanderson em particular postou recentemente uma mensagem no blog do Léo Pimentel (amantedaheresia.blogspot.com.br, mas Léo está postando estas discussões também neste nosso grupo) apontando para o caráter “antipolítico” da ética negativa, um “silenciamento” ou mesmo de uma “suspensão” da política; ele vê a tese da falta de valor da vida como uma “falta radical de espaços de negociação” a partir de uma visão da vida “não negociável, monológica, estática”. É claro que a partir da visão negativa do mundo a própria política terá que ser recaracterizada, em lugar de ficar procurando a política de sempre no espaço da visão negativa da vida; onde se fecham certos espaços de negociação, abrem-se outros, que aquele guiado exclusivamente pelas categorias afirmativas será incapaz de ver (um autêntico “pluralismo” teria que incluir visões negativas). É compreensível então que Wanderson declare: “se há uma política possível a través da ética negativa, eu não consigo entender o que se entende por política ai”. É claro que não se entenderá se não são lidos os textos que foram escritos e publicados sobre o assunto.

3. É verdade que, nos últimos anos, eu estive mais ocupado na formulação e desenvolvimento das ideias fundamentais da minha teoria ética, mas a preocupação política já está presente em vários aforismos do antigo Projeto de ética negativa e na Crítica de la Moral Afirmativa, mais explicitamente, na nota 8. “Acerca de la imposible conciliación entre ética y política, basada en un análisis de sus relaciones con la muerte” (pp. 166-174). Em 2008 foi publicado outro texto sobre a questão política no volume: Ética negativa: problemas e discussões (Editora da UFG, Goiânia, 2008), onde o próprio wanderson publicou o texto comentado por Léo, quando eu respondo ao texto do Klayton Mário na réplica chamada “Anarcopolitização do nada”, um primeiro texto, tímido ainda, sobre política negativa, onde importantes noções – como “morte-mercadoria”, “administração do desvalor”, “politização do negativo”, “politização suicida” e outras – aparecem e são postas às usuais políticas afirmativas. Os textos do antigo Projeto (antes dele ser reeditado em 2011) e sobre tudo os da Crítica podiam ser inacessíveis, mas para ler este ultimo texto, o único que tinha que ser feito era ir até a página 217 desse volume, onde inclusive Wanderson é mencionado. Klayton Mário, por sua parte, entendeu perfeitamente naquela época um sentido pelo menos do que poderiam ser políticas negativas.

4. Mas parece-me que quase todos os que cobram a ausência de pensamento político na ética negativa ignoram totalmente meu texto “Políticas negativas y éticas de la libertación. Es posible ser um pesimista revolucionário? (Mi encuentro com Enrique Dussel)”, concebido – com perdão da palavra - em 2002, já conhecido por muitas pessoas de maneira informal, e publicado dentro do livro Análisis y Existencia. Pensamiento en travesía (Ediciones Del Copista, Córdoba, Argentina, 2010). (Este livro estava sendo vendido pela Livraria Cultura, mas não sei se os exemplares já acabaram). Este texto foi um dos resultados do meu encontro com Dussel no México, texto que ele conhece e criticou em seu curso da Unam. Nessa mesma época, uma polêmica com Dussel sobre suicídio e o princípio da vida foi publicada pela revista Dianoia de México, já em 2004, com uma réplica de Dussel: “Sobre algunas críticas a la ética de la liberación. Respuesta a Julio Cabrera”.

5. Estes dois textos estão entre o melhor que tenho produzido no âmbito da filosofia prática; “Políticas negativas...”, especialmente, é um texto perfeitamente explicito com todas as minhas principais ideias sobre o assunto (e com um estilo irresistível; decididamente, sou um autor não reconhecido; só colho rejeições, jamais um único elogio). Esses textos são tão importantes dentro de meu pensamento, que eu os reproduzi, com a permissão das fontes, na minha página em espanhol (http://filosofojuliocabreraes.blogspot.com.br), onde estão plenamente disponíveis. É só ler. Eu não tenho a culpa de não ser lido, nem tenho o direito de exigir das pessoas que me leiam; mas certamente tenho o direito de reagir a visões da ética negativa como “antipolítica”, “suspensão da política” e “falta radical de espaços de negociação” sem que se conheçam os textos que eu já escrevi e publiquei a respeito.

6. Outra informação pertinente é um texto que Hilan Bensusan tornou público no ano passado, chamado “Notas para uma biopolítica da ética negativa”, onde ele utiliza o texto sobre Dussel e políticas negativas além do “Porque te amo não nascerás” de uma maneira muito sui generis, e ligando com muitos outros autores (Agamben, Deleuze, Catherine Malabou, Primo Levi, Zizek, Bhabha, Braidotti, aquelas saladas hilantrescas que não se pode comer a qualquer hora do dia); é um texto muito inteligente onde se tenta mostrar como políticas afirmativas são perigosas e pouco lúcidas (ao colocar a vida como valor supremo, sem qualificações) e éticas negativas podem ser muito mais insurgentes ao politizar o nascimento, por exemplo, que está para além da moralidade nas éticas afirmativas; Hilan faz uma apropriação muito pessoal da ética negativa, e é outro exemplo de texto que avança no tema das políticas negativas, cujo conceito ele entende de outra maneira viável.

7. É claro – e este é meu grande ceticismo atual a respeito de discussões filosóficas – que nenhuma das minhas ideais sobre políticas negativas vai interessar ou convencer demasiado se alguém (mesmo “pluralista”) já tem na cabeça uma ideia afirmativa de “política”; se você pretende que a ética negativa faça política afirmativa, a questão já está condenada de antemão (como Benatar diz várias vezes em seu livro, não adianta apresentar argumentos se o adversário já decidiu de antemão que nunca os aceitará). Nos textos mencionados eu consegui reunir todos os elementos para pensar políticas negativas a partir dos princípios norteadores da ética negativa; só que a política negativa é algo bastante diferente do “político” como podemos encontrá-lo em pensadores brancos como Habermas ou a insuportável Hannah Arendt (que deus nos livre dela). Se vocês vão querer achar Hannah Arendt nas políticas negativas, já pode ir tirando o cavalinho da chuva.


8. A última informação inglória que quero passar é a seguinte: neste momento, já perto da morte absoluta e definitiva do meu corpo, alma e espírito, estou em processo de correção final da minha ultima obra de ética chamada “Mal-estares profundos. Ética negativa e Bioética radical”, que penso publicar em 3 línguas (português, espanhol e inglês). Ali estão contidos todos meus textos sobre ética da última década e meia, com o argumento pro forma sobre imoralidade da procriação, textos recentes sobre suicídio, longo capítulo inicial sobre desvalor da vida e inabilitação moral (só esse capítulo tem quase 200 páginas, e o livro tem 4 capítulos; possivelmente tenha que publicar o livro – de mais de 500 páginas – do meu próprio bolso); e, finalmente, um texto sobre a dimensão normativa e política das éticas negativas, ou seja, sobre o que fazer diante da catástrofe de ter nascido. Quero dizer que, para vocês não aguardarem longos meses ou anos até o livro sair nas ruas, eu vou enviar a vocês – nas próximas semanas - o primeiro rascunho deste texto, para vocês tomarem conhecimento de meus mais recentes pensamentos sobre o assunto.


Obrigado a todos. Abraços,

Julio Cabrera.

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