19 de abril de 2012

Comentário ao Evento [Parte I]

Aos que participaram ou acompanharam o Seminário Otimismo e Pessimismo Moral.

Antes de tudo, gostaria de declarar que achei o evento ótimo. Todas as exposições foram competentes, contributivas, e delinearam bem a contenda. E não creio que alguém esperaria que outro mudasse seu ponto de vista por completo, portanto, a polêmica, até menos passional do que previ, mais do que previsível, foi mesmo agradável.

Se o seminário não pôde corroborar a tese da impossibilidade, ou possibilidade, da ética, seja lá o que isso for, ou corroborar a validade ou não do pessimismo ou do otimismo, ao menos serviu para corroborar não a inutilidade da discussão filosófica, mas a Soberania da Subjetividade.

Mas nem tudo é vão. O Professor Cabrera mudou alguns pontos de sua concepção. Eu também.

Algo que eu até já intua, mas me convenci agora, é que mesmo tendo tal vontade e percepção, o melhor motivo pelo qual não posso dizer que a vida em si é boa, é por que me parece uma falta de consideração com aqueles que, em sua subjetividade, achem o contrário.

Fazendo coro com o minimalismo proposto pela Ética Negativa, não creio que o depressivo esteja errado, qualquer que seja o motivo ou origem de seu desgosto. Dizer-lhe que a vida é boa e o problema é com ele, é jogar-lhe toda uma responsabilidade injusta. Ninguém tem culpa de se sentir mal, talvez nem mérito em se sentir bem.

Isso tem consequências práticas interpessoais para mim, e pouco me importa saber que o Pessimista Essencial, com sua certeza de descrever o Real tal como é, jamais chegaria à conclusão simétrica.


Ética e Possibilidade

Como o professor Cláudio bem definiu, a impossibilidade da ética poderia dar-se em dois sentidos. Primeiro, por uma via que a defina em Absoluta Incompatibilidade com a existência, onde todo e qualquer ato vital, por mínimo que seja, fosse por si só anti-ético.

Se beber um copo d’água, mesmo num ambiente onde a fartura desta for imensurável, ou mesmo respirar, caso onde a fartura é de fato imensurável, forem atos anti-éticos, então, é evidente que é impossível agir eticamente.

O segundo sentido, seria o da Infalibilidade Ética. Como não é possível ser absolutamente ético por 100% do tempo, a ética seria impossível. Poder-se-ia reduzir essa exigência para algum outro valor, mas teríamos o problema da quantificação.

São duas teses harmônicas, uma pode ser aplicada para sanar a outra. Poderíamos dizer que podemos ser éticos em algum grau, talvez até bastante elevado, atos relacionais interpessoais por exemplo, logrando valores próximos de 100%, mas se os atos vitais forem incluídos na conta, o valor cairia a zero, ou para os mais entusiastas, abaixo disso.

Há um terceiro sentido, o qual eu acrescentei anteriormente, que remete ao tema da concepção do Altruísmo Absurdo. Que se pode estar em Kant, não me parece estar em qualquer outra tradição. Nem mesmo estava na saudosa Articulação Ética Fundamental (a mim, Regra de Ouro rebuscada), pois não incluía que a ação deveria ser sempre contra, ou desconsiderando completamente o interesse próprio, mas sim bastando incluir os interesses dos demais.

Vejo tais possibilidades insustentáveis, e é curioso que me tenha sido dito que pretendi redefinir conceitos fundamentais, num mundo onde qualquer teoria que tenha proposto impossibilidade similar parece minoritária, ou inexistente. O auto desprezo jamais poderia ser exigido por Aristóteles principalmente lembrando a questão do meio termo, onde a desconsideração completa de si próprio deve ser evitada tanto a quanto a do outro. Nem mesmo em qualquer forma de consequencialismo, onde é absurdo supor que o aumento constante do Bem numa sociedade não favorecesse de algum modo o próprio agente, afora o fato de que com frequência o interesse deste é irrelevante. Também nas éticas sentimentais não há lugar para qualquer uma das possibilidades supra citadas, e o mesmo posso dizer das tradições orientais que estudei um pouco.

Talvez só mesmo Kant poderia articular algo que levasse nesse sentido, mas penso que até isso é discutível, pois se o propósito da Imperativo Categórico (outra Regra de Ouro Rebuscada) é a universalização, como supor que a mesma não beneficiaria o agente por decorrência? Pode-se até desconsiderar a questão emocional, o prazer que embute o agir, que deveria ser negligenciado em favor do senso de dever, mas não vejo nesse ponto um elemento que necessariamente exclua o benefício em retorno ao próprio agente pelos seus atos éticos. Como pode alguém imbuído de forte senso de dever não ter algum apreço por um mundo mais ético?

Ou, como insisto, ética para alienígenas não deveria ser tomada como referencial humano.
Se remodularmos a pergunta tema, teremos:
É possível Abdicar dos Atos Vitais? NÃO!
É possível ser Éticamente Infalível? NÃO!
É possível ser Completamente Desinteressado? NÃO!
Mas em que momento qualquer um desses conceitos, ou todos juntos, se transformaram na Ética em si?!


Além da Ética ou Ética do Além

Mas a pergunta mais interessante não é essa, e sim o que viria depois. Se abandonássemos a Filosofia Moral, provavelmente não faria muita diferença, se abandonássemos os códigos de condutas explícitos, ou mesmo as leis, talvez pudéssemos nos adaptar. Mas alguém pensa que isso faria com que a partir de então, nesse maravilhoso mundo pós-ético, poder-se-ia fazer qualquer coisa com qualquer um que ninguém se importaria?

Digam-me, se todos nos tornássemos negativos e assumíssemos em alto e bom tom que sendo a ética impossível, vivemos num mundo além, ou aquém, dela. Qual a diferença prática? Todos iriam alegremente matar uns aos outros? Roubar tudo o que quisessem e ninguém ligaria? O que significaria suspender todas as condutas morais?

Ou seria exatamente essa a idéia? Extinguir a espécie humana por um meio bem mais eficaz e rápido que convencê-la a morrer por não reprodução? Ou ao menos, extinguir a civilização levando-nos de volta ao mundo animal?

E aí sim, se concordamos que a ética é produto humano, ela deixaria de existir.


A Valoração da Existência...

...agora, me parece ainda mais dissonante. Na realidade, penso que é de irrelevância total tanto para a EN quanto até mesmo para posturas pessimistas ou otimistas. Nesse ponto, discordo do professor Cláudio, me parece que mesmo o anti natalismo independe da valoração negativa existencial.

Também digo que uma valoração positiva da vida é inadequada. Nada contra afirmar que se crê que existir é bom ou ruim, que se goste ou desgote disso ou daquilo, ou mesmo que se diga Better Never To Have Been, o problema é que nada disso torna a existência algo quantificável ao qual se possa atribuir um valor discernível. Concluo que até mesmo atribuição de um valor zero seja improcedente.

Penso que essa tese é tão obscura que não se basta. Não é algo que seus defensores apresentam por si, mas, sempre, acompanhada de inúmeras apelações às contingências da existência. Cabrera pode achar que o fato subjetivo, embora pseudo objetivado pela opinião da maioria, de não gostarmos de nosso ‘morrer’, resulta em algum tipo de expressão aritmética resultando em X < 0, como se tal simples fato esgotasse por completo toda a complexa dimensão da existência.

Tudo fica ainda mais confuso, ou talvez até seja essa minha perplexidade original, com o fato da mortalidade parecer absolutamente central à tal tese negativista, mas ao mesmo tempo Cabrera ter admitido que mesmo seres imortais e absolutamente indestrutíveis, mas que pudessem deixar de existir caso o quisessem, estariam também negativados em sua existência!

Ora, então o problema não é a mortalidade, que pouco ou nada teria a ver com isso. A existência seria trágica, ou patética, pelo seu atrito constante. Ou melhor dizendo, o problema seria o ‘movimento’, o devir, a constante impermanência e insubstancialidade. Mesmo esses deuses perenes estariam sujeitos à mudança, e como existir parece ser, necessariamente, constante transformar, se isso for considerado ruim, nada poderia evitar concluir pela tragédia existencial.

Curioso que poderia até admitir a valoração negativa e ao mesmo tempo sustentar um otimismo pelo argumento da criação intramundana de valores, ou ao menos sua possibilidade, poder superar essa negatividade. Mas como o intramundo e a “coisa em si” da existência foram jogadas em dimensões separadas, essa proliferação de valores positivos jamais seria aceita como contrapartida, enquanto que, por outro lado, parece que todos os males intramundanos parecem sim ser aceitos como demonstração dessa desvalia essencial.

Por outro lado, também poderia considerar um valor intrínseco positivo para a existência e mesmo assim sustentar um pessimismo, até mesmo anti natalino, pelo fato de que exatamente por ser boa, mas estar fadada à perda, a existência intramundana seria necessariamente trágica apesar da “coisa em si” da vida ser positiva.

Parece que essa questão da valoração é por completo irrelevante, e eu me absteria de discuti-la não fosse o fato de que sempre retorna como um fato objetivo a corrigir percepções, até mesmo em experiências de pensamento.


A Escolha da Odisseu

Quem sois vós, mortais, para declarar que o grande herói Odisseu estava errado ao preferir a vida mundana que a perenidade da vida ao lado de Circe?

Se a ele fosse dito: “Odisseu, ficar na ilha de Eana tem valor superior a sair dela.” E Odisseu concordando que deveria escolher o valor maior, preferisse sair da ilha, de fato teria escolhido errado. Mas a escolha foi consciente, ela tinha uma obrigação com sua esposa e filho, o que tornou ainda mais estranho ouvir do Diógenes que escolher o dever para com eles em detrimento do próprio interesse egoísta em viver numa ilha de prazeres seja errado.

Ademais Odisseu parecia até aborrecido. Possivelmente entediado pela simples existência perpétua. Estaria eu errado por preferir pagar R$ 1.000,00 por um ano de assinatura intransferível de um canal de séries de ficção científica do que R$ 50,00 por uma assinatura vitalícia para assistir ao brasileirão?!

Em que a perenidade me obriga a escolhê-la se a mesma não for de meu interesse?

Talvez, se a Odisseu tivesse sido dada a oportunidade de trazer sua mulher e filho, e amigos, para viver na Ilha de Eana, aí sim, parece que a situação mudaria.

E tudo isso apenas mostra o quanto essa valoração objetiva da existência tem que frequentemente apelar para valores intramundanos, sempre carregados de emoção.


Marcus Valerio XR

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Olá Marcus,

    Apenas lentamente consigo ler seus textos, por isso demoro a responder algo, já que o gostaria. Consegui agora a partir de um dos trechos, “Substantivo Morte e Verbo Morrer” (enviado à lista de discussão), que envio ao modo de versos irregulares um pouco cifrados, mas que talvez permitam alguma troca. Vai, como é de meu costume (quiçá método), uma referência musical, no vídeo indicado abaixo, uma espécie de suma do assunto!... J como diria Tobias Barreto, é possível filosofar pelo silêncio, e também pelo riso.

    (...)
    ao redor do buraco tudo é beira,
    a transcendência (o nada) é um buraco sem beira,
    na beira do hyperuranotópos que não há
    é onde se situa a vidamorte do ser.

    O caos é miríade de cores,
    não apenas claroescuro,
    Não apenas luzetreva.

    Temos ao caos aversão primordial?
    Talvez mas também somos reversão primordial ao caos,
    Como voragem e vertigem do instante eterno tornar-se.

    Qual é o tempo da ética negativa?
    O tempo da vidamortemorrida é o eterno decair,
    A decadência vista de baixo,
    Do ponto de vista da rede,
    No balanço da vidamorte.
    No balanço vim, no balanço vou,
    Balanço da vida e balanço da morte,
    Na vida forte e fraco na morte.
    Zero a zero ou menos um,
    No balanço da rede é que se gera mais um,
    Tão trágica quanto uma reprodução negativa pode sê-la.

    “Te dei ao nada, ao sofrimento e à dor?
    Sim, mas te dei ao mistério
    E a uma mera possibilidade de prazer e calor,
    De aconchego e amor.”

    O amor é uma das invenções humanas para contrabalançar a morte,
    O amor é a invenção biológica para superar a lâmina do tempo cronológico.
    Se bem sucedida ou não, não se saberá,
    Seja a vida apenas uma continuação da transformação incessante de toda matéria e energia em caos.

    Não é a toa que cante o Suassuna Rutheford e Bohr.
    Veja como uma pílula ou meme de sentido pode conter filosofia.
    http://www.youtube.com/watch?v=aIwlv2K1lRI&feature=related

    ou, numa versão mais conversada: http://www.youtube.com/watch?v=Qe0FOrzgDbk

    abraços,
    Marcelo

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